E o preço dos medicamentos?
- Introdução
Neste mês de abril, foi autorizado um aumento de até 12,5% no preço dos medicamentos.
Considerando os últimos dez anos, é a primeira vez que o índice de reajuste ficou acima da inflação, o que revela mais um reflexo da crise econômica que aflige o País.
Em nota, o Ministério da Saúde comentou que:
“Cabe destacar que não se trata de um índice automático de aumento de preços, uma vez que o percentual é aplicado ao valor máximo permitido para a venda dos medicamentos. Segundo a CMED, que regula e monitora o setor, a prática de descontos do mercado é praxe tanto na indústria quanto no setor varejista por causa principalmente da concorrência existente neste mercado. Por isso, o impacto no consumidor historicamente tem ficado e deve ficar abaixo do teto de reajuste aprovado este ano, que é de 12,5%”.
Essa tal “prática de descontos”, entretanto, não é verdadeira, pois os descontos são efetuados sobre um preço máximo que não tem parâmetros e nem fiscalização.
- Valor máximo para venda dos medicamentos (PF e PMC)
No Brasil, a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – CMED é o órgão público responsável pela regulação do preços e índices de reajuste dos medicamentos. O CMED é um organismo interministerial, composto por representantes dos Ministérios da Saúde, Justiça, Fazenda e Casa Civil.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, por sua vez, “…monitora os preços dos medicamentos que estão no mercado e auxilia tecnicamente no estabelecimento do preço de novos medicamentos. Uma de suas atribuições é exercer a função de Secretaria Executiva da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).
O problema é que o sistema de controle de preços é precário e os órgãos públicos responsáveis por esse controle e fiscalização não têm, de fato, acesso às informações do processo de produção dos laboratórios.
Em outras palavras, a CMED é refém das informações fornecidas pelos laboratórios e farmácias e não realiza nenhuma fiscalização efetiva, de forma que o preço máximo atribuído pela CMED é aquele “escolhido” pelos laboratórios e fornecedores.
A tabela de preços máximos dos medicamentos pode ser consultada pelo consumidor no site da Anvisa: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/326bfa004c26358bac71bc31039a6daa/LISTA+CONFORMIDADE_2016-03-24.pdf?MOD=AJPERES
A tabela de preços dos medicamentos contempla o Preço Fabricante (PF), que é o preço praticado pelas empresas que produzem ou importam o medicamento e, também, pelas distribuidoras.
O PF é o preço máximo permitido para venda a farmácias, drogarias e para entes da Administração Pública.
A tabela também contempla qual é o Preço Máximo para venda ao Consumidor (PMC), que é o preço máximo que a farmácia/drogaria pode cobrar do consumidor.
Considere, por exemplo, o medicamento Xeloda®, do Laboratório Roche, na versão com 120 comprimidos de 500mg, indicado para o tratamento do câncer de mama, entre outras neoplasias.
Nos Estados em que o medicamento sofre tributação do ICMS sob a alíquota de 18%, o preço máximo para o fabricante vendê-lo às farmácias, de acordo com a tabela de 2016, é de:
PF = R$ 2.115,40
Já a farmácia/drogaria pode revender esse medicamento ao consumidor pelo preço máximo de:
PMC = R$ 2.924,24
Logo, a farmácia pode auferir um lucro de até 38,24% com a venda desse medicamento, caso ela tenha adquirido o produto pelo PF máximo.
O laboratório, entretanto, pode vender esse medicamento para a farmácia por qualquer valor, desde que não ultrapasse o PF estabelecido pela CMED.
Como é o próprio laboratório quem informa para a CMED qual é o preço máximo do medicamento e a CMED não faz nenhuma análise criteriosa, tampouco fiscalização, é natural que o laboratório informe um valor máximo muito superior aquele que efetivamente deveria ser permitido pois, dessa forma, o laboratório pode, na prática, vender o medicamento pelo preço que ele quiser.
Assim, a farmácia consegue comprar o produto dos laboratórios por um preço muito inferior ao preço máximo permitido pela CMED. A margem de lucro, que era de 38,24% acaba, então, sendo muito maior, o que permite que as farmácias criem programas de descontos que, à primeira vista, são quase inacreditáveis.
Segundo pesquisa realizada no site “Consulta Remédios”, disponível em https://consultaremedios.com.br/, (acesso em 06/04/2016), o medicamento acima mencionado (Xeloda, 120 comprimidos, 500mg, da Roche) , pode ser encontrado no mercado por um preço que varia de R$ 2.159,00 a R$ 2.800,00.
Para a farmácia vender esse produto pelo preço de R$ 2.159,00, ela certamente não pagou por ele o valor máximo de venda pelo laboratório para a farmácia (PF), de R$ 2.115,40.
- E por que essa diferença tão grande de valores entre uma e outra farmácia?
A responsável pela diferença de valores, conforme esclarecido acima, é a fixação de preços máximos pela CMED. O PMC (Preço Máximo ao Consumidor) está, em geral, muito acima do valor que as farmácias pagam pelo medicamento. Algumas dessas farmácias venderão o produto pelo valor máximo e outras, não.
Na prática, essa tabela de preços criada pela CMED/Anvisa cria uma espécie de base para o mercado.
No exemplo acima, a farmácia que vende o medicamento pelo preço de R$ 2.115,40 dirá ao cliente que o remédio custa R$ 2.924,24 (que é o PMC da tabela), mas que, com o “incrível” desconto da farmácia, o consumidor poderá comprá-lo por R$ 2.159,00, ou seja, a farmácia dirá ao consumidor que “ela está oferecendo um desconto de 35,44%”.
Já a farmácia que está vendendo o mesmo remédio pelo preço de R$ 2.800,00 é a que está cobrando o preço mais caro do mercado, mas ainda assim dirá que o medicamento está sendo vendido com desconto já que, pelo PMC, ela poderia vendê-lo por até R$ 2.924,24.
O consumidor que comprou o medicamento pelo preço de R$ 2.800,00 e ainda foi informado que pagou o preço com desconto foi ludibriado pela farmácia, pelo laboratório e pelos órgãos públicos que deveriam fiscalizar esse setor.
Se é para ter uma tabela de preços, é obrigação da CMED e da Anvisa a efetiva fiscalização do setor, de modo a informar números reais ao mercado.
Do contrário, é melhor não tabelar e deixar que o próprio mercado auto regule o preço de venda. Dessa forma, o consumidor que paga por um medicamento um preço muito mais alto do que a média de mercado não será enganado com a informação de que, ainda assim, está comprando um remédio com desconto.