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“Tratamento experimental” e planos de saúde

16 de setembro / 2009
Direito nas Áreas Médica e de Saúde

Autor: Rodrigo Araújo

Data: Setembro/2009

Operadoras de saúde negam a cobertura de tratamentos considerados por elas como experimentais, quando, em verdade, não são. O Dr. Rodrigo Araújo, ao longo deste artigo, destaca que técnicas modernas da medicina e tratamentos amparados por estudos científicos já em prática na maioria dos países não podem ser taxados por “experimentais”.

Por Rodrigo Araújo
Advogado e Sócio da Araújo e Conforti Sociedade de Advogados
Setembro de 2009

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O vice-presidente da República, José Alencar, há anos, tem travado uma batalha para combater o câncer que o acomete.

Sem obter êxito nos protocolos terapêuticos padrões para tratamento do sarcoma, Alencar se submeteu, como voluntário, a um tratamento experimental em Houston, nos Estados Unidos, uma vez esgotadas as demais possibilidades.

O tratamento se consiste na administração oral de medicamentos que estão em fase de testes, sem aprovação pelo FDA – Food and Drug Administration, órgão que regulamenta o controle de medicamentos no EUA, similar à ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no Brasil.

O vice-presidente da República é um destacado empresário do setor têxtil, sócio fundador da Coteminas, uma das maiores companhias de tecidos do país e, independente de sua posição na política brasileira, Alencar dispõe de recursos financeiros para obter os melhores tratamentos disponíveis.

Sobeja, no entanto, argüir como outros cidadãos brasileiros, sem os mesmos recursos, socorrem-se em hipóteses de tratamentos médicos onerosos.

O tratamento oncológico, em si, é muito dispendioso e pode, sem grandes dificuldades, custar mais de R$ 40.000,00 mensais apenas com quimioterapias e radioterapias. Ao incluirmos nessa conta honorários médicos de consultas e cirurgias, diárias hospitalares, exames, taxas de sala cirúrgica e outros materiais e medicamentos, o custo vai bem mais além.

Em nosso País, face a ineficácia do sistema público de saúde, o cidadão é compelido, ainda que com hercúleo esforço orçamentário, a contratar planos e seguros de saúde privados. Essa ineficácia do sistema público de saúde, por sua vez, fomenta a demanda pelos serviços oferecidos pelas operadoras de saúde privadas e o indivíduo, que sabe não haver condições razoáveis de atendimento no sistema público de saúde, contrata um seguro, justamente, para, na hipótese de haver o sinistro (doença), ter a garantia de um atendimento digno ou, ao menos, melhor do que o oferecido pela saúde pública.

Ocorre que, quando esse sinistro ocorre, a Seguradora na qual o consumidor depositou sua expectativa de que lhe ofereceria um tratamento melhor do que àquele oferecido na rede pública, nega a cobertura e lhe exige a conduta de procurar o Estado.

Isso é o que acontece quando o usuário necessita de um tratamento que não se encaixa no conceito de terapia padrão da operadora de saúde, que o considera experimental e, portanto, sem cobertura contratual.

A Lei n. 9.656/98, que regulamenta os planos de saúde, estabelece em seu artigo 10, inciso I, a exclusão de cobertura para procedimentos experimentais, mas o conceito de tratamento experimental é definido de forma deturpada pelas operadoras de saúde.

O objetivo da Lei é vedar a prática de tratamentos sem comprovação científica de eficácia, não utilizados pela medicina, no Brasil ou em outro País, tendo em vista que, inclusive, poderiam ser prejudiciais ao paciente.

No caso do vice-presidente, o tratamento pode ser considerado como experimental. Apesar dos resultados positivos, os médicos e cientistas que atuam no desenvolvimento desse protocolo, ainda não dispõem de resultados em quantidade suficiente para atestar a eficácia da terapia, assim como os medicamentos que a compõem sequer são comercializados.

Todavia, a quase totalidade dos tratamentos negados não se encaixa na definição de procedimentos experimentais.

A título de exemplo, um protocolo muito comum, utilizado por médicos do Brasil e de muitos outros países, para o tratamento de câncer colorretal em fase metastática é o uso de drogas que compõem o esquema denominado FOLFOX, combinado com o antineoplásico Avastin (bevacizumab). Tanto o FOLFOX quanto o Avastin são indicados para tratamento de câncer colorretal, mas a combinação desses medicamentos é considerada experimental pelos convênios médicos e, portanto, sem cobertura contratual.

Oncologistas dos hospitais de referência do País prescrevem essa terapia e, certamente, não é porque consideram o paciente uma cobaia.

O mesmo medicamento Avastin, que tem indicação em bula para tratamento de câncer colorretal é utilizado, há anos, por oftalmologistas do mundo todo para tratamento de DMRI – Degeneração Macular Relacionada à Idade, doença que aflige muitos idosos e que leva a cegueira. Há alguns anos atrás, os oftalmologistas muito pouco podiam fazer para combater a doença.

Para pacientes idosos portadores de cardiopatia denominada estenose aórtica grave e que apresentam comorbidades como obesidade mórbida, hipertensão arterial, entre outras, a técnica padrão para cirurgia se revela como sendo de alto risco.

A opção pode ser a valvoplastia (dilatação da valva obstruída por meio de cateter balão), mas a valva, usualmente, volta a ficar obstruída após aproximadamente 06 meses. A técnica padrão exige a substituição da valvar por uma prótese metálica ou biológica.

Um procedimento alternativo, desenvolvido por médicos europeus é o implante percutâneo de prótese valvar aórtica, técnica minimamente invasiva, já realizada, desde 2008, em hospitais como o Hospital Albert Einstein e, mais recentemente, no Hospital Beneficência Portuguesa.

Contudo, por não constar do rol de procedimento da ANS, também é considerada experimental por operadoras de saúde.

A última atualização do rol de procedimentos da ANS é de abril de 2008. Antes disso, o rol datava de 2004.

A medicina é uma ciência que avança muito rapidamente e o rol de procedimentos da ANS não acompanha essa evolução. Além disso, o rol não é taxativo. É definido como um rol de coberturas mínimas.

Em verdade, o tratamento a que se submete o vice-presidente nos Estados Unidos jamais teria cobertura por um plano de saúde.

Quando o tratamento for aprovado pelo FDA, ele não encontrará cobertura no Brasil porque os medicamentos são importados. Quando esses medicamentos forem registrados na ANVISA para poderem ser comercializados no país, após longo e moroso processo burocrático, as operadoras de saúde também irão negá-los, pois se tratam de medicamentos de uso oral e que podem ser administrados em ambiente domiciliar, sem cobertura contratual.

A temida quimioterapia, durante muitos anos, foi administrada somente pela via endovenosa, em ambiente ambulatorial. Com a evolução da medicina, muitos quimioterápicos passaram a ser ministrados pela via oral. É o que ocorre com o tratamento de glioblastoma multiforme (câncer no cérebro), em que pode ser utilizado o quimioterápico Temodal; alguns tipos de câncer de rim, com o quimioterápico Nexavar; alguns tipos de câncer gastrintestinal, com o quimioterápico Sutent, entre outros.

Em alguns casos, não existe mais a opção de quimioterapia endovenosa, substituída pela geração de novos medicamentos, com menores efeitos colaterais e melhor resposta ao tratamento.

Nesse ponto, importa destacar que o mesmo artigo 10, da Lei n. 9.656/98, que regulamenta os planos e seguros privados de assistência à saúde, dispõe que “É instituído o plano ou seguro-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria ou centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, DAS DOENÇAS RELACIONADAS NA CLASSIFICAÇÃO ESTATÍSTICA INTERNACIONAL DE DOENÇAS E PROBLEMAS RELACIONADOS COM A SAÚDE, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto

Conforme a disposição legal mencionada, o plano ou seguro-referência compreende os tratamentos das doenças relacionadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a saúde (CID 10), da Organização Mundial de Saúde, que relaciona, na Lista de Categorias de Três Caracteres, todas as doenças acima mencionadas.

Destarte, se há previsão da doença na CID 10 e a Lei n. 9.656/98 determina a cobertura para o tratamento de todas as moléstias constantes da CID 10, é obrigatória a cobertura por parte da operadora de saúde, não podendo ela escusar-se de suas obrigações.

Além disso, se o contrato tem previsão para tratamento de quimioterapia, como de fato tem, é obrigação da operadora de saúde fornecer o quimioterápico, independente de ele ser administrado pela via intravenosa, intra-arterial ou oral.

O cidadão que contrata um plano ou seguro de saúde tem por objetivo garantir o tratamento médico que um dia possa vir a necessitar e essa é a promessa das operadoras de saúde.

Acaso assim não o fosse, esse indivíduo não contribuiria, por anos, com o pagamento de mensalidades cujos valores são muito significativos em seu orçamento, situação distinta para uma pequena parcela da população que tem condições de arcar diretamente com os custos.

E, não raramente, o contratante desses serviços é surpreendido com negativas lastreadas em uma infinidade de justificativas abusivas, que têm sido objeto de incontáveis discussões judiciais, pois, somente ao abrigo do judiciário, o paciente que contratou os serviços de um plano ou seguro de saúde consegue se submeter ao tratamento médico.

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