Pacientes conseguem mais remédios na Justiça
Diário de S.Paulo – 16.05.2015
O advogado Rodrigo Araújo foi entrevistado pelo jornal Diário de S.Paulo e falou sobre o aumento do número de ações judiciais contra o SUS.
Em 2014, secretaria gastou mais de R$ 394 milhões com o pagamento de ações / Divulgação
Medicamentos importados para a hepatite C, insulinas mais eficazes para o tratamento do diabetes, remédios para um paciente que passou por transplante de rim e para outra doente que necessitava de uma bomba de dosagem automática para o controle da dor crônica.
Foram esses os motivos que levaram, respectivamente, Olga, de 62 anos, Ioshimi, 39, Fernando, 34, e Terezinha, 55, aos tribunais no ano passado. Todos pediram que o SUS pagasse os seus tratamentos, não previstos pelo Ministério da Saúde.
O caminho trilhado pelos exemplos acima tem sido cada vez mais comum em São Paulo, muitas vezes sequer, segundo os próprios advogados, sem esgotar todas as possibilidades nas esferas administrativas porque a Justiça é mais rápida.
Nos últimos quatro anos, a Secretaria Estadual de Saúde registrou um aumento de 47% no total de repasses com o pagamento de ações judiciais a doentes que conseguiram liminar favorável na Justiça para algum tratamento médico. O DIÁRIO teve acesso exclusivo aos números através da Lei de Acesso à Informação .
Apenas em 2014, a Secretaria Estadual de Saúde gastou mais de R$ 394 milhões com o pagamento de ações. É o valor mais alto já dispensado em um ano com esse tipo de finalidade, segundo a pasta do governo Geraldo Alckmin (PSDB).
Apenas no primeiro trimestre deste ano o Estado teve de desembolsar uma quantia de mais de R$ 91 milhões para o custeio das ações judiciais.
São duas as explicações para a multiplicação de processos para cobrar tratamento adequado do SUS, segundo especialistas ouvidos pelo DIÁRIO. A primeira é a morosidade para a inclusão de novos procedimentos e medicamentos na tabela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias), do Sistema Único de Saúde. A segunda é o aumento do grau de instrução dos pacientes que recebem a negativa.
“As pessoas não estão simplesmente aceitando ouvir não. Se não conseguem através dos processos administrativos, elas não exitam em procurar a Justiça para exigir que sejam atendidas”, afirmou a defensora pública Anai Arantes Rodrigues, da unidade da Fazenda Pública do Estado.
Foi para conseguir os medicamentos para o tratamento da hepatite C que Olga Shizue Otani Piphorari, 62, entrou com um processo contra o Estado em novembro do ano passado. Depois de desistir dos meios de cura convencionais por conta dos efeitos colaterais, a aposentada conseguiu que os medicamentos de cerca de R$ 150 mil por mês sejam importados dos Estados Unidos pelo governo estadual. Olga, cinco meses depois, aguarda a execução da sentença.
“A secretaria falou que leva um tempo para trazer os remédios porque abre um processo de importação, mas já se passaram cinco meses. É muito tempo”, criticou a paciente, que está com o fígado debilitado à espera do tratamento, segundo sua versão.
Ao contrário da aposentada, Ioshimi, Fernando e Terezinha já receberam da secretaria estadual os remédios de alto custo após conseguirem parecer favorável nas ações judiciais.
Incorporação de remédio na tabela do SUS é lenta
A demora para a incorporação de medicamentos na tabela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia) é apontado por especialistas como fator determinante para o aumento dos casos judiciais que levaram a ampliação de 47% no total de gastos da Secretaria Estadual de Saúde com pagamento das ações nos últimos quatro anos.
Um exemplo dessa demora é o remédio para o tratamento da hepatite C incluso na lista de tratamentos preconizados pelo Ministério da Saúde. Desde 2013, já existe nos Estados Unidos medicamentos mais eficazes que ainda não foram incorporados à lista do SUS. Os que ainda estão em vigor são os telaprevir e boceprevir, inclusos em março de 2012.
Atualmente estão disponíveis nos Estados Unidos o sofosbuvir e simeprevir, que são bem mais eficazes e oferecem menos efeitos colaterais. No entanto, só é possível adquirir os produtos por meio de importação, a um custo de cerca de R$ 450 mil a cada três meses. “As ações para a aquisição desses medicamentos é o que fez crescer o número de processos. A partir do momento que o remédio passar a ser comercializado no Brasil, o preço vai reduzir”, projetou o advogado Rodrigo Araújo.
O Ministério da Saúde afirmou que os dois medicamentos entraram em consulta pública na última quinta-feira, 14 de maio, e têm um prazo de até 360 dias para passar pelo crivo da Conitec.
Convênio eleva número de ações contra o governo
Enquanto ações judiciais movidas contra o governo cresce a cada ano para que o Estado pague o tratamento médico de pacientes que acreditam estar, no exterior, a cura da sua doença, a ineficácia dos planos de saúde também ajuda a entender o fenômeno da judicialização cada vez mais crescente da saúde, segundo especialistas ouvidos pelo DIÁRIO.
A Secretaria Estadual de Saúde confirma que 2/3 das ações cobrando medicamentos de alto custo ou acesso a tecnologias de tratamento não previstas pelo Sistema Único de Saúde são de pacientes com planos privados ou médicos particulares.
“O que ocorre é que teve um crescimento de operadoras de saúde com planos simples, que não cobrem os tratamentos mais complexos. O paciente não tem outro meio para recorrer a não ser o Estado”, disse a defensora. Ela criticou a criação de um núcleo no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) para sanar os impasses com as operadoras. Esse departamento deve passar a funcionar em duas semanas. “É mais uma forma de aumentar o tempo para a conclusão dos processos e diminuir a chance de ganhos”, critica.
O NAT (Núcleo de Apoio Técnico) vai reunir representantes dos planos para solucionar os problemas entre as operadoras e os clientes antes de chegar aos tribunais. A mediação será feita pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
“Ocorre muito de o representante do plano de saúde afirmar que não sabia do problema do cliente até ele receber a intimação judicial. Nesse momento tenho vontade de pedir que ele ligue no atendimento da sua empresa e tente resolver o problema. Não resolve porque eles só cumprem protocolos”, reclamou o especialista em direito à saúde Rodrigo Araújo.
Também funciona há cerca de dois anos uma triagem farmacêutica para dar auxílio técnico aos juízes na tomada de decisões e melhorar o fluxo dos processos desse tipo.
RESPOSTA DO GOVERNO
Pasta diz que ações a obriga a tirar dinheiro da assistência
Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde afirmou que, muitas vezes, por força de uma decisão judicial, é obrigada a arcar com medicamentos de marca já disponível no SUS, mas de outro fabricante, e a entregar remédios experimentais, sem registro na Anvisa. “As demandas judiciais obrigam a retirar recursos de outras áreas e programas, inclusive da assistência farmacêutica, para atender a pedidos individuais”, disse. A pasta afirmou ainda disponibilizar um canal de solicitações de remédios não padronizados pelo Ministério da Saúde, avaliados individualmente. Sobre a demora na entrega do medicamento da paciente Olga, a secretaria afirmou que iniciou o processo de compra, mas por se tratar de importação, é preciso cumprir uma série de etapas burocráticas.
RESPOSTA DO MINISTÉRIO
Avaliações são baseadas em evidencia científica
O Ministério da Saúde afirmou que para incluir medicamentos na tabela SUS “as avaliações da Conitec são baseadas na melhor evidencia científica existente”. Segundo o ministério, o processo conta ainda com a participação da sociedade por meio de consultas públicas. Sobre as regras para a incorporação de medicamentos, a pasta afirmou que a Conitec tem o prazo de 180 dias para a análise do processo e, se julgado favorável, o SUS tem mais 180 dias para disponibilizar o medicamento à população.
Fonte: Diário de S.Paulo