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Considerações acerca das resoluções normativas ns 195 e 196 da ans

04 de dezembro / 2009
Direito nas Áreas Médica e de Saúde
Autor: Rodrigo Araújo
Data: Dezembro/2009
A ANS sempre fez “vistas grossas” para os contratos coletivos de planos de saúde, o que proporcionou que as empresas privadas de planos de saúde se aproveitassem dessa falta de fiscalização e de ingerência da agência para cometer abusos que não são permitidos nos planos de saúde individuais. Com a entrada em vigor das novas resoluções n. 195 e 196, parece que a ANS inicia um movimento para melhor gerenciar os contratos coletivos. O Dr. Rodrigo Araújo comenta, neste artigo, essas duas novas normativas da agência reguladora.
Por Rodrigo Araújo
Advogado em São Paulo
Dezembro de 2009
 

 

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O mercado de planos e seguros de saúde no Brasil obteve o crescimento de 111% no período de 2003 a 2008 e movimentou 60,3 bilhões de reais no ano passado (i).

 

Esse mercado é conhecido como saúde suplementar, mas vem perdendo essa característica ao longo dos anos.

 

Nossa Constituição assevera que a saúde é um direito de todos e dever do Estado[ii] e para cumprir esse dever, o Estado disponibiliza para a população o Sistema Público de Saúde instituído através do SUS.

 

A título de elucidação, um paciente que necessite de uma cirurgia ortopédica com enxerto ósseo na capital do Estado de São Paulo, precisa de um hospital especializado e autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA a operar com banco de tecido ósseo.

 

O Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo oferece esse serviço através do SUS, mas, ainda que esse paciente já tenha o laudo de um médico particular que ateste a necessidade do procedimento, para ele conseguir agendar uma consulta no Hospital das Clínicas, ele deve ser encaminhado por um dos ambulatórios de especialidades das Secretarias de Saúde Municipal e Estadual[iii].

 

Mas esse paciente terá de aguardar por meses até conseguir agendar a consulta em um posto de atendimento hábil a encaminhá-lo para o serviço especializado.

 

No modelo de organização do sistema público de saúde em São Paulo, cabe ao posto de saúde marcar os exames, consultas com especialistas e procedimentos cirúrgicos. Em pesquisa realizada por um estudo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo em 2008, mais de 149 mil cidadãos aguardavam por consultas médicas apenas na região sul da Capital, com tempo de espera de até 90 dias apenas para ser atendido no posto de saúde e mais de oito meses para se submeter a um procedimento cirúrgico[iv].

 

Assim, face a ineficácia do sistema público de saúde, o cidadão é compelido a contratar planos e seguros de saúde privados e é justamente essa ineficácia que aumenta a demanda pelos serviços que as operadoras de saúde suplementar oferecem no mercado.

 

O Brasil tem 191,5 milhões de habitantes[v] e, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, em junho de 2009, mais de 50 milhões de habitantes compunham o grupo de beneficiários em planos de assistência médica e hospitalar com ou sem odontologia[vi].

 

Apenas no segmento de assistência médica e hospitalar, sem odontologia, são mais de 41 milhões de consumidores desse serviço, o que representa 21% da população, distribuídos em 1.116 operadoras de saúde regularmente autorizadas pela ANS. Em Estados como Rio de Janeiro e São Paulo, mais de 30% da população possui plano de saúde[vii], o que torna o Brasil o 6º maior mercado de saúde privada no mundo[viii].

 

Esses números servem de estatística para avaliar o potencial desse mercado e, ao mesmo tempo, as dificuldades e mazelas do setor.

 

Uma das razões que dificulta o acesso a esse serviço por quase 80% da população é a amplitude do serviço oferecido.

 

Nesse contexto, em 1999, entrou em vigor a Lei n. 9.656/98, que regulamentou os planos e seguros privados de assistência à saúde. A partir dessa lei, todos os novos planos contratados tiveram de se submeter às disposições que lhes foram ali endereçadas e, uma delas, é a cobertura obrigatória para o tratamento de todas as doenças relacionadas na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, de tal forma que foi criado um “plano ou seguro referência”.

 

Assim, as operadoras podem oferecer planos que tem segmento ambulatorial e/ou hospitalar, com opções de acomodação em quarto individual ou enfermaria e com variação da rede de prestadores (médicos, hospitais, clínicas, laboratórios etc), mas não há, por exemplo, um plano que englobe apenas consultas médicas e exames e, nessas condições, para a análise do risco, a operadora precisa considerar o custo com despesas que oneram o contrato, tais como tratamentos oncológicos, risco esse que majora o preço da mensalidade e restringe o acesso as classes C e D, que representam um grande mercado ainda pouco explorado.

 

A operadora de saúde, como qualquer outra empresa privada, é motivada pela aferição de lucros e, para isso, precisa repassar para seu cliente o custo do serviço oferecido, acrescido da margem de lucro.

Uma das formas de transmitir ao consumidor esse custo é através dos reajustes da mensalidade.

 

No contrato individual, a operadora está autorizada a reajustar a mensalidade anualmente, segundo o índice divulgado pela ANS para a variação dos custos médicos e hospitalares e, também, através do reajuste por mudança de faixa etária.

 

É bem verdade que, quando a operadora não fica satisfeita com o índice permitido pela ANS, ela cria um novo produto que é praticamente igual àquele já comercializado, mas adota um outro nome e, para novas contratações, a fixação do preço da mensalidade é estipulada livremente.

 

Já no contrato coletivo, além dos reajustes anuais e de mudança de faixa etária, a operadora ainda pode aplicar o famigerado reajuste por sinistralidade, que é o reajuste lastreado na utilização dos recursos médicos, onde se afere o custo do sinistro durante um período e o compara com o valor arrecado com os pagamentos de mensalidades (prêmio), repassando ao consumidor a despesa quando esta excede o valor arrecado, através de reajustes.

 

Pela possibilidade de repassar ao consumidor a despesa com a utilização dos recursos médicos, o contrato coletivo passou a ser muito mais interessante para as operadoras, que os oferecem em preço bem mais competitivo do que para os contratos individuais.

 

Muitas operadoras de saúde deixaram, inclusive, de oferecer no mercado produtos individuais. Bradesco Saúde, Sul América Saúde, entre outras, comercializam apenas produtos de segmentação corporativa.

 

Os beneficiários de contratos coletivos representam hoje, cerca de 70% desses consumidores.

 

Mas a ANS, que foi incumbida de regulamentarr e fiscalizar o setor esclarece que, em relação aos contratos coletivos, por entender que a pessoa jurídica que figura como estipulante da apólice tem um poder maior de negociação com a operadora de saúde, não há necessidade de políticas intervencionistas.

 

Em verdade, não é bem assim que acontece.

 

Como mencionado, as regras que norteiam o contrato coletivo são mais interessantes para as operadoras de saúde e, muitas, deixaram de comercializar produtos individuais. Ocorre que a fatia do mercado representada por consumidores individuais é significativa.

 

Para não perder esse segmento, as operadoras criaram os contratos empresariais PME, contratos coletivos que podem ser adquiridos por empresas a partir de 02 a 05 vidas e que, usualmente, são compostas pelo grupo familiar do sócio de uma micro empresa.

 

Tratou-se, apenas, da substituição do contrato familiar por um contrato empresarial, onde a operadora consegue repassar para aquele pequeno grupo todo o custo do serviço utilizado e, nesses pequenos contratos, não existe nenhum poder de negociação entre a estipulante do contrato e a operadora.

 

Outra prática bastante disseminada nos contratos coletivos é a de incluir na apólice terceiros que prestam serviços para empresa. Assim, qualquer prestador de serviços e, até mesmo os empregados contratados irregularmente pela pessoa jurídica podiam ser incluídos no contrato como beneficiários, inclusive para completar o número de vidas mínimo exigido para a contratação.

 

Para as empresas que contratavam o produto para seus sócios e funcionários, mas atingiam um número pequeno de vidas que não permitia a isenção de carências e, ainda, implicava em um maior risco de sinistralidade, foi criada uma forma de atenuar essas circunstâncias.

 

Grandes corretoras passaram a reunir diversos pequenos contratos empresariais para figurar na condição de administradora. Assim, a sinistralidade de todos esses pequenos contratos poderia ser apurada em conjunto e mitigar o risco, de forma a possibilitar menores reajustes por sinistros nesses contratos.

 

Para regulamentar esse segmento dos contratos coletivos, que até então seguia a própria lei do mercado, a ANS aprovou as Resoluções Normativas (RN) ns. 195 e 196.

 

A RN n. 195, com alterações introduzidas pelas RNs ns. 200 e 204, entre outras disposições, destaca a classificação e características dos planos coletivos e regulamenta a forma de contratação. A RN n. 196, por sua vez, disciplina a atuação das Administradoras de Benefícios.

 

A Resolução n. 195 foi bastante comemorada pela imprensa por mudar a forma de cobrança de reajustes nos contratos coletivos. A partir de sua entrada em vigor (03.11.2009), os contratos coletivos passaram a ter apenas um reajuste a cada período de 12 meses, exceto quando se tratar de mudança de faixa etária do beneficiário.

 

Na prática, tal alteração em nada afeta o reajuste por sinistralidade. Antes, a sinistralidade podia ser cobrada em períodos inferiores a 12 meses. Com a RN n. 195, essa sinistralidade passou a ser cobrada anualmente, o que pode representar um índice de reajuste ainda maior e seu repasse para o contrato é feito na mesma ocasião em que se aplica o reajuste anual decorrente da inflação do período.

 

Mas um outro aspecto bastante relevante dessas Resoluções e que pode impactar o mercado é a questão da restrição de novas contratações.

 

Até então, conforme destacado acima, muitas operadoras deixaram de comercializar planos contratados individualmente, o que restringiu as opções do consumidor.

 

No segmento coletivo, ainda conseguiam abarcar parte desses consumidores de planos individuais através dos contratos empresariais PME e da permissão de inclusão de prestadores de serviços sem vínculo empregatício nos contratos empresariais.

 

A RN 195 classificou os planos coletivos em “plano privado de assistência à saúde coletivo empresarial” e “plano privado de assistência à saúde coletivo por adesão”.

 

O primeiro admite como beneficiário do contrato àqueles que tenham vínculo empregatício ou estatutário com a pessoa jurídica contratante e o grupo familiar até terceiro grau de parentesco. Com a RN 195, quem presta serviços para a pessoa jurídica contratante ou quem não é empregado regularmente contratado, não pode mais se beneficiar do plano de saúde.

 

O segundo é oferecido à população e respectivo grupo familiar que mantenha vínculo com conselhos profissionais e entidades de classe, sindicatos, associações profissionais, cooperativas de membros da mesma categoria ou classe profissional, Uniões de Estudantes, caixas de assistências ou fundações que se enquadrem nos conceitos da Resolução.

 

Muitas associações foram constituídas unicamente com o fim de contratar um plano de saúde coletivo. Uma associação de bairro podia, até então, ser constituída e todos os moradores (e até não moradores) que se vinculassem a ela poderiam ser beneficiários do plano de saúde.

 

Com a Resolução 195, esses contratos não serão mais permitidos.

 

As duas novas resoluções da ANS têm causado polêmica para as empresas contratantes e o principal motivo decorre das exigências muito mais rigorosas para as operadoras de saúde e, também, para os beneficiários dos contratos coletivos.

 

De imediato, para as empresas contratantes há apenas o impacto da elegibilidade dos segurados, pois depende da constatação do vínculo estatutário, societário ou de emprego. As demais alterações introduzidas pela ANS passarão a vigorar apenas na renovação do contrato com a operadora ou após 12 meses da entrada em vigor das resoluções.

 

Na ocasião em que o contrato tiver de ser adaptado, os beneficiários não elegíveis terão de ser excluídos da apólice, que, em regra, representam aqueles prestadores de serviços terceirizados por meio de pessoa jurídica.

 

Quanto à sinistralidade, por ter de passar a ser cobrada em período não inferior a 12 meses, haverá maior concentração do risco, o que deve majorar os preços de contratos novos.

 

Nesse ínterim, convém destacar algumas considerações importantes sobre a forma de reajustes e demonstrar que a alteração determinada pela ANS não beneficia a operadora de saúde e muito menos, o consumidor.

 

Como já mencionado, o reajuste dos contratos coletivos passa a ser aplicado em uma única oportunidade.

O aspecto positivo é que o consumidor beneficiário em uma apólice coletiva poderá melhor programar seu orçamento, pois haverá uma única data no ano em que terá reajustes.

 

Antes da RN 195, esse consumidor tinha um reajuste no ano para apurar a inflação do período e cerca de outros 02 ou 03 para cobrar a sinistralidade, dependendo do contrato.

 

Ocorre que a ANS, ao reunir todos esses reajustes em uma única oportunidade, não se preocupou com medidas que delimitasse uma segurança jurídica para o consumidor.

 

Primeiro porque o reajuste da inflação do período nos contratos coletivos não está adstrito a um teto máximo definido pela ANS.

 

Segundo porque, a resolução 195 simplesmente destaca que “Nenhum contrato poderá receber reajuste em periodicidade inferior a doze meses…” e nada menciona acerca da periodicidade de apuração desse reajuste.

 

Assim, considere-se um contrato coletivo contratado no mês de dezembro, já sob a égide da RN 195. A primeira aplicação de reajuste ocorrerá a partir de dezembro do ano seguinte, mas a operadora poderá dispor que a sinistralidade será apurada no período de dezembro a maio e de junho a novembro.

 

Na hipótese de ter havido no período de dezembro a maio um evento esporádico que aumente a sinistralidade, como uma epidemia de dengue ou de gripe suína, o sinistro desse primeiro período de apuração ficará bastante elevado e será computado, sem repasse imediato para a mensalidade.

 

No segundo período, de junho a novembro, considere-se a hipótese de não ter havido nada que elevasse demasiadamente o sinistro.

 

Em vez de a operadora dividir o sinistro pelos 12 meses, ela cumulará o sinistro apurado no primeiro semestre com o do segundo semestre e repassará ao contrato.

 

Assim, ao invés de mitigar a sinistralidade em 12 meses, ela cumulará dois ou mais períodos de apuração.

Ainda que considere a análise real da sinistralidade de 12 meses, isso também poderá não trazer nenhum benefício para ambas as partes.

 

Para a operadora, ela terá de manter uma mensalidade que não reflete o custo dos serviços por doze meses, o que, muito provavelmente provocará um aumento do custo da mensalidade em contratos novos.

 

Para o consumidor, a apuração do sinistro em 12 meses poderá revelar um índice de reajuste muito acima do tolerado para manutenção do serviço, o que provocará a rescisão.

 

Ao menos, na prática, tal circunstância traz para o contrato coletivo parâmetros mais próximos da realidade.

Há um engodo massificado nos contratos empresariais, sobretudo os chamados PME.

 

A diferença de preço entre a mensalidade inicial de um contrato individual e de um contrato coletivo empresarial PME para o mesmo indivíduo, na mesma operadora, com idênticas características é bastante substancial.

 

Na Unimed Paulistana, o consumidor com 30 anos que almejar contratar um plano individual, na modalidade denominada Supremo Uniplan, arcará com uma mensalidade de R$ 308,97. Se optar por fazer uso de um CNPJ e contratar um plano coletivo empresarial, pagará R$ 191,91[ix].

 

O plano individual é 61% mais caro e o contrato coletivo empresarial pode ser aderido a partir de 02 vidas.

 

A razão de tamanha diferença entre preços é que, no contrato coletivo, havendo sinistralidade superior a arrecadação, todo o prejuízo da operadora poderá ser repassado para o cliente através de reajustes sem teto definido.

 

Com o repasse da sinistralidade em período não inferior a 12 meses, a operadora terá de rever o seu risco, o que pode trazer para a realidade tais contratos.

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[i] Revista Exame, Ed. 956, 18.11.2009, Especial Saúde, p. 180/181.

[ii] Constituição Federal, art. 196.

[iii] Disponível em http://www.hcnet.usp.br/informacoes_uteis/como_marcar_consultas.htm, acesso em 30.11.2009.

[iv] Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090403/not_imp349289,0.php, acesso em 30.11.2009.

[v] IBGE. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1435&id_pagina=1, acesso em 30.11.2009.

[vi] Disponível em http://www.ans.gov.br/portal/site/informacoesss/iss_dados_gerais.asp, acesso em 30.11.2009.

[vii] Idem.

[viii] Revista Exame, Ed. 956, 18.11.2009, Especial Saúde, p. 180/181

[ix] Disponível em www.unimedpaulistana.com.br, acesso em 14.12.2009.

 

 

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Rodrigo Araújo
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2
Comentário(s)
Marcos Judice
10 de outubro, 2023
Minha empresa está cancelando o contrato com a Amil devido a mudança de país. Somos obrigados a pagar pelos 60 dias de aviso prévio? Por e-mail a operadora afirma que a RN 195 determina este prazo, porém, a RN412 diz que não há obirgação. Favor enviar uma orientação mais precisa.
AJ Advogados
10 de outubro, 2023

Olá Sra. Marcos Judice,
Entre em contato com o nosso setor de atendimento pelo telefone 11 25003029 ou pelo e-mail [email protected] e agende uma reunião presencial ou online com um de nossos advogados.
Atenciosamente,

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